A industrialização da construção tem sido um tema recorrente nos últimos 20 anos e esse debate tem sido intensificado recentemente. Apesar de todo esforço, temos evoluído de forma muito lenta. A proporção de construções industrializadas em relação a convencional tem sido irrisória e limitada na sua maioria a casos isolados.
O que faz com que esse importante tema não evolua satisfatoriamente mantendo nossa construção em baixíssimos níveis de produtividade em processos artesanais? Por que a adoção de sistemas industrializados é tão pouco considerada na construção de edifícios e pelo mercado imobiliário em geral (nosso maior mercado de construção)?
Quatro motivos sobressaem:
1 – Custo das soluções industrializadas.
2 – Falta de interesse das empresas na velocidade da construção.
3 – Percepção dos riscos dos novos sistemas.
4 – Cultura do setor.
De uma forma resumida:
a. Impostos: Os sistemas industrializados pagam ICMS e IPI. Os convencionais pagam ISS. Essa assimetria tributária onera os produtos industrializados em 20 a 30% no seu preço final em relação ao convencional. A “solução” do faturamento direto entre fornecedor e construtora podem reduzir essa diferença, mas é de fundamento tributário questionável e quando existe deslocamento de produtos entre estados esse artifício pode não funcionar.
b. Falta de integração da cadeia produtiva: Os setores industriais não se conversam e não geram valor entre produtores da cadeia. Cada fabricante olha somente para seus problemas e os sistemas não se integram. Além disso, os fabricantes entendem exclusivamente do seu próprio processo de produção e muito poucos entendem da produção do edifício como um todo, suas dificuldades construtivas, suas dores e necessidades de desenvolvimento.
c. Escala de produção: O nível de padronização na construção é muito baixo e isso faz com que a quantidade de repetições em cada produto seja muito pequena. Assim, os custos fixos e de desenvolvimento das fábricas incidem sobre poucos produtos onerando muito seus custos unitários finais.
d. Normas obsoletas: A maioria das normas disponíveis são prescritivas e poucas se atêm ao desempenho necessário. Além disso muitos requisitos são desnecessariamente elevados e baseados nos processos construtivos convencionais.
e. Instabilidade dos preços dos insumos: os produtos industrializados têm como principais materiais básicos o aço, alumínio, plástico e madeira. O preço desses materiais flutua muito em função da demanda de outras indústrias como automobilística, eletrodomésticos, etc. Os produtores desses insumos básicos são oligopólios que não priorizam a estabilidade da indústria a jusante da cadeia, prevalecendo a visão de curto prazo de eventuais lucros rápidos.
f. Empresas não sabem prever custo considerando o ciclo de vida do edifício: os custos das alternativas são avaliados de forma simplória. Somente os custos diretos são avaliados. Custos indiretos devido a redução de prazos, custos de manutenção, redução de riscos, etc, quase nunca são avaliados. Tudo se resume ao “custo por m2”.
a. O financiamento bancário é de, no máximo, 70 a 80% do valor do imóvel. Os 20 a 30% restantes devem ser pagos pelo comprador até o final da obra. Como não existem produtos financeiros de poupança prévia para preparar cliente para a compra, e como a capacidade de pagamento da população é muito baixa, as incorporadoras precisam aumentar o prazo das obras de forma que o comprador possa pagar.
b. Prazos longos inviabilizam o uso da industrialização da construção. A industrialização da construção e a alta produtividade estão ligadas a alta velocidade de obra.
a. Insucessos do passado: Muitas tentativas de desenvolvimento de sistemas construtivos feitas no passado deram poucos resultados e algumas produziram patologias graves. A visão de panaceia dos sistemas construtivos (um sistema construtivo ou material tem que servir para todo tipo de edifício), a falta de metodologia eficaz de desenvolvimento, a falta de prioridade na avaliação de riscos e a não consideração da manutenibilidade pós-obra, têm provocado insucessos evitáveis e um grande medo pelo desenvolvimento.
b. Percepção de desempenho da construção convencional: O processo construtivo convencional (estruturas em concreto, alvenaria de tijolos, revestimentos argamassados, etc.), embora provoquem inúmeras patologias, raramente provocam grandes desastres. O mercado está acostumado com essas patologias e as considera como “normais” mesmo nas ocorrências mais sérias.
c. Medo da percepção de risco pelo cliente: No mercado imobiliário, o cliente tem medo do que é novo e não entende e tende a rechaçar novidades que ele não está bem-informado. As empresas do mercado têm preferido fugir do desenvolvimento tecnológico a promover campanhas de marketing de qualidade para mudar essa percepção. Muitas vezes empresas tradicionalistas têm minado tentativas de evolução de empresas concorrentes e inovadoras simplesmente fazendo campanhas de descrédito através de boatos infundados.
d. Miopia para as tendências de mudanças: A atenção maior dos desenvolvedores de produtos imobiliários tem sido voltadas para as tendências do produto em relação a sua arquitetura. Não conseguem perceber as mudanças do mercado produtivo ou acreditam que pouca coisa precisa mudar para que tudo fique na mesma. A tecnologia de produção raramente é discutida no planejamento estratégico das empresas e não veem novas tecnologias construtivas como ameaça.
a. Os fundamentos da construção civil brasileira: principalmente das construções imobiliárias, tem sido baseada na ideia do uso intensivo de mão de obra barata e artesanal. Essa ideia foi intensamente pregada junto aos governos e opinião pública nos últimos 100 anos para obter benesses, principalmente tributárias e de financiamento, ocasionando a maioria das distorções que temos hoje. A ideia de que a construção civil tem o papel de absorção intensa de mão de obra pouco qualificada tem sido a lógica norteadora do setor nos últimos 100 anos.
b. Aversão ao risco: as margens de lucro do mercado imobiliário são muito baixas, a despeito da crença geral. As empresas, na sua grande maioria, são pouco capitalizadas e dependem diretamente do fluxo de entrada das vendas. A eventual redução da velocidade de vendas pode ser decisiva no sucesso de um empreendimento e isso faz com que as empresas evitem qualquer tipo de inovação que possam afetar eventualmente a percepção de solidez do empreendimento, exceto nas inovações arquitetônicas. As margens pequenas do mercado, em vez de motivar a inovação para o aumento da produtividade e redução de custos, servem para gerar um sentimento de pânico em relação ao desenvolvimento tecnológico. O empilhamento de tijolos é praticamente a única alternativa considerada.
c. Formação do pessoal técnico: Nossas escolas técnicas e de engenharia, são muito voltadas para a construção convencional e não formam pessoal técnico para encarar e gerenciar novos processos, mas para apenas reproduzir o passado.
d. Descaso da indústria com a cadeia produtiva: Nosso mercado de construção é muito pulverizado e com isso de difícil organização para o desenvolvimento. Já nossa indústria de componentes é constituída de poucos players e bem mais capitalizados. Seria de se supor que o desenvolvimento da construção viesse ser liderado pela indústria, com a participação das construtoras. Mas isso não ocorre. A indústria não consegue perceber essa enorme oportunidade e continua preponderantemente a evitar o desenvolvimento de “produtos engenheirados” e encarando seus produtos mais como materiais do que como sistemas.
Posto a “problemática” temos que partir para a “solucionática” e seus possíveis caminhos de solução. Um conjunto de mudanças já está acontecendo em nossa economia e podem fomentar inúmeras oportunidades, mas isso será assunto do próximo artigo: A industrialização da construção no Brasil– A arte do possível”.